Artilheiro Mysoreano

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2006AP2869

               Enfrentando seus inimigos com armas inovadoras no campo de batalha, os artilheiros mysoreanos se provaram como adversários páreos para a Companhia das Índias Orientais em ascensão. Digladiando-se com os maiores inimigos que já tinham enfrentado e defendendo seu reino das garras de um Império estrangeiro, os artilheiros mysoreanos estão entre os mais resistentes, e valorosos, inimigos do grandioso Império Britânico.

               O Reino de Mysore era um reino localizado na região sul da Índia, sendo fundado em 1399. A princípio sendo um vassalo do grande Império Vijayanagara, Mysore acabou se tornando independente no final do século XVI, e marcando o apogeu de sua expansão no século XVII, atingindo o ponto mais alto de seu poderio militar no século XVIII.

               Por mais que os foguetes em si tenham sido inventados por volta do século XIII, o Reino de Mysore os usou extensivamente desde a metade do século XVIII. O principal inovador e aplicador dessa tecnologia, que já estava presente no reino desde o século XVII, foi Hyder Ali, que começou a usar os foguetes para aplicações militares, algo que foi bastante eficaz contra seus inimigos. Entretanto, quem mais utilizou as brigadas de foguetes foi o Sultão Tipu, filho de Hyder Ali, que ampliou as companhias de artilheiros e as usou contra a Companhia das Índias Orientais durante as Guerras Anglo-Mysore.

Sultão Tipu, o principal aplicador dos foguetes mysoreanos

               Os artilheiros mysoreanos possuíam um equipamento simples, propício para a função de mobilização rápida para o disparo dos foguetes. Os artilheiros usavam roupas comuns, de cor branca e rosada, como boa parte do restante do exército de Mysore. O diferencial, entretanto, estava no uso de espadas para combate corpo a corpo e no famigerado foguete mysoreano. Originalmente tendo sido usados como fogos de artifício até pouco antes do reinado de Hyder Ali, os foguetes mysoreanos eram significantemente mais avançados que os foguetes europeus.

               Enquanto os foguetes europeus não possuíam um grande alcance, os foguetes mysoreanos conseguiam voar metros além e eram revestidos com ferro, além de possuírem uma lâmina próxima ao seu nariz, para que pudessem perfurar os inimigos que acertassem. Os foguetes possuíam uma variedade de tamanhos, mas geralmente eram tubos de ferro martelados suavemente de 8 cm de comprimento a 7,6 cm de diâmetro. Os foguetes eram amarrados a um graveto de bambu que tinha 1 m de altura. O tubo de ferro continha quantidade de pólvora o suficiente para que o foguete conseguisse voar longas distâncias e, dependendo da quantidade de pólvora do foguete, ele poderia chegar até 900 m de distância. Em contraste, os foguetes europeus não eram revestidos em ferro e não conseguiam suportar altas quantidades de pólvora sem que queimassem, e não conseguiam chegar nem próximo da distância que os foguetes mysoreanos chegavam.

Artilheiro preparando o seu foguete para disparo

               Os artilheiros mysoreanos estiveram presentes em várias batalhas nas guerras contra os britânicos. Mais notavelmente, seus foguetes foram usados durante a Batalha de Pollilur e o Cerco de Seringapatam. A Batalha de Polliur ocorreu em 1780, durante a Segunda Guerra Anglo-Mysore. A Segunda Guerra Anglo-Mysore, em si, ocorreu devido a um desejo de vingança visto pelo governo de Mysore contra os britânicos, que segundo eles agiram de má fé contra seu vizinho, a Confederação Maratha, durante as Guerras Anglo-Maratha.

               As forças do Sultão Tipu se encontraram com as do coronel William Baille, servindo a Companhia das Índias Orientais, nos arredores da cidade de Kanchipuram, no sul da Índia. A batalha foi sangrenta para o lado inglês, que foi constantemente bombardeado pelos foguetes mysoreanos, provando de vez a sua eficácia em combate contra uma potência europeia. Muitos soldados e oficiais britânicos foram capturados, e 3000 dos 7000 combatentes envolvidos do lado britânico morreram, enquanto outros 200, ou possivelmente todo o restante do contingente britânico, foram capturados. As baixas para o lado do Reino de Mysore são desconhecidas, por mais que de 2 a 3 mil homens tenham se envolvido no combate, dentre eles principalmente os artilheiros, que tiveram um papel fundamental na vitória do Sultão Tipu sobre as forças britânicas.

               O cerco de Seringapatam se iniciou em Abril de 1799, nos estágios finais da Quarta Guerra Anglo-Mysore, dessa vez feita como uma medida de segurança dos britânicos para assegurarem seus domínios na Índia contra a possível ameaça napoleônica. Após a série de batalhas que se desenrolou na guerra, o episódio final foi o cerco de Seringapatam. O que restou das forças do Sultão Tipu se juntaram a ele durante o cerco, um total de 30000 homens, contra 50000 das forças da Companhia das Índias Orientais. A Cia. estava comandada pelo general George Harris, o Major General David Baird, e o coronel Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington.

               Após uma série de escaramuças ao redor da cidade, finalmente no começo de Março as forças britânicas conseguiram abrir uma brecha nas muralhas e tomar a cidade de assalto. O Sultão Tipu morreu durante o assalto, junto com 6000 de seus homens, enquanto os britânicos tiveram uma baixa de 1400 homens. Os artilheiros mysoreanos conseguiram afastar os britânicos o máximo possível antes da abertura na muralha, a qual o assalto britânico foi fundamental para o término da batalha e da guerra.

Soldados britânicos bombardeados na Batalha de Pollilur

               Com o fim da Quarta Guerra Anglo-Mysoreana, o Reino de Mysore perdeu a sua independência e passou a ser, oficialmente, um principado sobre a soberiana do Império Britânico. O reino não voltaria a ganhar sua independência mas, ao invés disso, ganhou seu lugar como um estado da República da Índia, que ganhou a sua independência em 1950. Entretanto, os foguetes mysoreanos impressionaram tanto os britânicos que os mesmos desenvolveram seu próprio foguete a partir do modelo mysoreano: O Foguete Congreve.

               Esse modelo foi criado em 1802, e usado principalmente em batalhas navais durante as Guerras Napoleônicas, mas também em batalhas terrestres, como foi o caso da Batalha de Leipzig. Dessa forma, por mais que o Reino de Mysore tivesse deixado de existir, os foguetes mysoreanos usados por seus artilheiros acabaram sendo sucedidos pelo foguete congreve, que teve um papel importante para o cenário de guerra britânico no século XIX.

Foguete Congreve, cujo modelo foi inspirado no foguete mysoreano

               Estrategicamente posicionados para causar devastação nas linhas inimigas com seus poderosos e temidos foguetes, os artilheiros mysoreanos marcaram o suspiro de resistência contra a Companhia das Índias Orientais e, por consequência, também contra a influência do Império Britânico no subcontinente indiano. Lutando corajosamente e usando armas ligeiramente novas para os olhos europeus, os artilheiros mysoreanos acabaram marcando a história e, de certa forma, também acabaram influenciando o rumo da tecnologia bélica britânica no século XIX, abrindo uma nova gama de possibilidades para o uso de foguetes como armas de guerra na europa napoleônica.

Fontes:
NARASIMHA, R. Rockets in Mysore and Britain, 1750-1850 A.D. Disponível em <http://www.nal.res.in/pages/rocketsdet.htm > Acessado em 20 de Setembro de 2015.
NAUGHTON, R. The history of rockets and military rocketry. Disponível em < http://www.ctie.monash.edu.au/hargrave/rpav_rocket.html > Acessado em 20 de Setembro de 2015.
FORREST, D. Tiger of Mysore : life and death of Tipu Sultan. Reino Unido: Chatto & Windus, 1970. 388 p.
THE NATIONAL GALLERIES OF SCOTLAND. Tipu: biography – Mysore history. Disponível em < http://www.tigerandthistle.net/tipu312.htm > Acessado em 20 de Setembro de 2015.

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