Cavaleiro Mandekalu

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               Fazendo parte de um dos principais braços do exército medieval do Império Mali no período de sua expansão, os cavaleiros mandekalu auxiliaram a manutenção do poder do Mansa no Mali, além de promover a sua política expansionista durante o resto da existência do Estado no oeste africano. Graças à sua atuação em combate, o Império Mali acabou por se tornar uma das potências africanas medievais, principalmente no quesito militar, onde conseguiu se destacar no continente.

               O Império Mali foi fundado em 1235, por Sundiata Keita, que unificou, através da força após alguns reis locais se unirem a ele, a confederação de pequenos reinos da região, surgidos a partir da derrocada do Império Ghana, no início do século XIII. Dessa forma, suplantando o vácuo de poder deixado na região com o seu próprio império com a vitória na Batalha de Kirina.

               A organização militar do Mali, entretanto, pré-data o império. Desde que sofriam incursões do Império Ghana, que realizava surtidas em busca de escravos, o povo do Mali se reuniu para a defesa. Além disso, o povo do Mali possuía uma forte tradição associada ao ferro e aos ferreiros, e o desmatamento causado pela busca extensiva de ferro acabou auxiliando o desempenho da cavalaria na região.

Figura de terracota de um cavaleiro mandekalu

               Os cavaleiros mandekalu vinham, somente, da casta social dos “horon”. Esses horon eram os homens livres, aqueles que não eram escravos. Mas os cavaleiros, apesar de pertencerem aos horon, possuíam um status social maior que os demais, já que eram associados a membros da nobreza, muitos deles sendo príncipes ou pertencentes à baixa nobreza. Como proteção, os cavaleiros mandekalu usavam armaduras de cotas de malha e capacetes de ferro ou couro e, como armas, usavam lanças, acompanhadas de espadas retas ou sabres.

               Tanto a armadura de cota de malha quanto o capacete de ferro eram importados do califado ao norte, enquanto as armas eram de fabricação local e, caso o capacete fosse de couro, também era feito localmente. Os cavalos usados pelos próprios cavaleiros também eram importados, todos eles sendo na verdade árabes. Devido ao grande preço do equipamento e, principalmente, dos cavalos, os cavaleiros não arcavam com a maioria dos custos de seu equipamento, algo que caía sob a responsabilidade de um dos Ton-Tigi, líderes militares encarregados da proteção do império, subordinados diretamente ao próprio Mansa. Ocasionalmente, também ocorria do Mansa ter de arcar com os custos de equipar os seus cavaleiros.

               O caso das armas, entretanto, era diferente. Todo horon que fosse para o combate deveria levar suas próprias armas, uma questão de honra para a sociedade do Mali. Algumas das armas carregadas pelos cavaleiros, e outros soldados no exército, eram heranças de família, podendo ter um longo histórico de presença em batalha. Durante o reinado de Mansa Musa, conhecido por ter sido o homem mais rico da história, 10 mil cavaleiros compunham as fileiras do exército do Império Mali, possibilitando a projeção do poder do imperador desde o litoral do Senegal até a fronteira da atual Nigéria.

               No século XIV, entretanto, houve uma mudança na organização militar do império com o crescimento dos Ton-Tigi em números, o que acabou transformando-os nos Farari. Alguns desses Farari, como os Ton-Tigi, também lideravam a partir de cavalos, mas podiam ser tanto escravos quando homens livres, e a quantidade de homens que os mesmos lideraram passou a ser reduzida se comparada aos primórdios do império. Alguns desses Farari eram completos escravos, equipados pelo próprio imperador para lutarem a cavalo contra os seus inimigos. A maioria desses escravos guerreiros, entretanto, não era nativa do Mali, mas pertencente a alguma outra etnia que havia sido conquistada pelo império e, dessa forma, viu-se escravizada com a derrota.

Cavaleiros mandekalu capturando escravos

               Além da Batalha de Kirina, presente no Épico de Sundiata, o poema épico do surgimento do Mali e cuja historicidade ainda é debatida, não há registros de batalhas específicas que ocorreram entre o Império Mali e seus inimigos. Entretanto, há sim os relatos de sua expansão territorial nos séculos XIII e XIV. O primeiro local para o qual Sundiata Keita se expandiu foi para o Reino de Jolof, localizado no atual Senegal, uma guerra travada possivelmente após o roubo de cavalos dos mercadores do Mali, permitido pelo rei de Jolof.

               Mansa Ouali I, o sucessor de Sundiata Keita após sua morte em 1255, foi o responsável por capturar cidades que viriam a ser extremamente importantes para o império: Gao, Timbuktu e Jenne. Após a morte de Ouali I em 1270, o império mergulhou na primeira de muitas guerras civis, que só encontrariam seu fim em 1285 quando Mansa Abubakri I, meio-irmão de Sundiata Keita, foi deposto pelo general e ex-escravo Sakura.

               O recém empoderado Mansa Sakura liderou o império em uma nova onda de expansionismo, não só retornando o Império Mali à glória dos tempos de Sundiata, mas também liderando uma era de ouro no Mali, que viria a acabar em 1340, pouco após a morte do Mansa Musa I. Desde então, o Império Mali viria a ser assolado por ataques de reinos vizinhos, como o Reino de Yatenga, além de sofrer com a secessão dos reinos de Songhay e Jolof.

Extensão territorial do Império Mali em seu apogeu

               A independência de Songhay e Jolof, em 1340 e 1360 respectivamente, deixaram o Império Mali muito enfraquecido, o que deu margem para novas guerras civis em seu território, principalmente na fronteira leste. Aproveitando-se da instabilidade do império, em 1433 os tuaregues do Maghreb lançaram uma campanha contra o Mali, capturando a cidade de Timbuktu. A partir de então, em 1440, o Império Mali era apenas uma sombra do que era no seu apogeu mas, apesar de completamente enfraquecido, o fim só veio para eles no começo do século XVII.

               Sua sobrevivência ocorreu devido aos portugueses, que após serem insistentemente derrotados, concluíram um tratado de paz que resultou em um tratado comercial entre ambas as nações. Entretanto, isso não impediu que o Império Songhay se aproveitasse da fraqueza do Mali para absorver boa parte de seu antigo território. Em 1590, o império estava mais fragmentado do que antes, mas o golpe final foi dado pelo Marrocos na Batalha de Jenné, a qual o outrora grandioso e rico império fora reduzido a um minúsculo reino, que após uma década fora completamente destruído pelo Reino de Bambara, um dos Estados que se separaram anteriormente de seu território.

Soldados marroquinos atacando os remanescentes do Império Mali

               Apesar de cair em durante uma maré de desunião e contenda, o Império Mali se consagrou como um dos mais poderosos e influentes impérios africanos medievais, estendendo seu controle por, praticamente, todo o oeste da África. Sendo conhecido amplamente, tanto em sua época quanto atualmente, pelas suas estrondosas riquezas e grande projeção de poder militar, o Império Mali e seus cavaleiros mandekalu acabaram por ditar, possivelmente, um dos episódios mais sonoros da história da África medieval.

Fontes:
SARR, M. L’empire du Mali. Mali: Impr. M.E.N., 1991. 100 p.

DIAKITÉ, D. Le massaya et la société manding: essai d’interprétation des lutes socio-politiques qui ont donné naissance à l’empire du Mali au 13ème siècle. França: Université de Paris I Panthéon-Sorbonne, 1980. 262 p.

HUNWICK, J. Timbuktu and the Songhay Empire: Al-Sa’Di’s Ta’Rikh Al-Sudan down to 1613 and other contemporary documents. Países Baixos: Brill, 1988. 480 p.

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