Bandeirante

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               Participando de expedições que viriam a demarcar os limites territoriais brasileiros, os bandeirantes foram uma instrumento fundamental e controverso na história do Brasil. Atacando principalmente as tribos indígenas em busca de suas riquezas, as bandeiras, como assim eram chamadas as tais expedições, transformaram a província de São Paulo em uma das mais movimentadas e ricas do Brasil, marcando o nome de cada expedicionário que se aventurava no interior das então desconhecidas florestas brasileiras.

               Os bandeirantes começaram a se organizar no Brasil no começo do século XVII. Aproveitando-se da União Ibérica para violar o Tratado de Tordesilhas, se embrenhando cada vez mais nas matas de possessão espanhola. O verdadeiro objetivo das bandeiras, assim chamadas as expedições devido ao costume tupiniquim de levantar uma bandeira em sinal de guerra, era a obtenção de escravos indígenas através da força de armas. Seu objetivo principal, entretanto, acabou desencadeando um outro evento: A busca por metais e minerais preciosos.

               Essa busca por riquezas acabou se tornando um novo objetivo primário a partir do começo do século XVIII mas, apesar disso, a busca por escravos indígenas continuou. O principal ponto de partida das bandeiras era São Paulo, justamente por ser a porta de entrada para o interior brasileiro e, também, estar repleto de índios nas redondezas, que se transformaram em presas fáceis para os bandeirantes. Basicamente, foram as bandeiras que transformaram São Paulo em um centro comercial no século XVIII.

               Por não serem apoiados pela coroa portuguesa, as bandeiras eram financiadas e formadas por iniciativa privada, significando que cada bandeirante deveria comprar o seu próprio equipamento e tomar as suas devidas precauções antes de começar a expedição. As bandeiras também eram expedições multi étnicas, reunindo não somente brancos, mas também índios livres ou escravizados, e principalmente os chamados mamelucos, os filhos mestiços de brancos com índios.

               Geralmente, os bandeirantes brancos se armavam com mosquetes e pistolas para ataques em longa distância, além de facas e espadas para ataques de curta distância. Como vestimenta, os brancos usavam um colete acolchoado, além de seus icônicos chapéus mas, apesar dessa leve proteção, eles andavam descalços pelo mato para que o som das botas na mata não chamasse a atenção durante emboscadas. Os membros indígenas e mamelucos das bandeiras mantinham uma vestimenta tipicamente nativa, usando como arma somente o arco e flecha e marchando de tanga ou, simplesmente, nus. Os membros mais úteis entre os bandeirantes eram justamente os indígenas e mamelucos, que possuíam um conhecimento maior da região e poderiam guiar os outros através das matas para encontrar uma nova tribo para ser escravizada.

               As táticas dos bandeirantes geralmente envolviam ataques surpresa, muitas das bandeiras se disfarçavam de jesuítas e cantavam missas para atrair os nativos para fora de suas ocas e convencê-los a virem com eles. Caso os nativos recusassem, uma pequena tropa estaria a espera escondida na mata, e essa mesma tropa incendiaria as cabanas, forçando os nativos a fugir e, durante essa fuga desesperada, serem capturados pelos bandeirantes, que os confinavam em currais improvisados, repetindo o processo com outras tribos até que houvesse índios o suficiente para que a expedição retornasse para a costa e comercializasse os escravos.

Bandeirantes capturando indígenas, por Jean Baptiste Debret

               A primeira bandeira ocorreu em 1628, liderada por Antonio Raposo Tavares e atacou 21 assentamentos jesuítas no alto do Rio Paraná, e seu resultado foi a captura de aproximadamente 2500 nativos. Novamente no mesmo ano, Antonio Raposo Tavares liderou uma bandeira de 2000 índios, 900 mamelucos e 69 brancos paulistas para o interior do Gauyrá espanhol, onde destruiu a maioria dos vilarejos jesuítas espanhóis da região e aproximadamente 60 mil índios foram escravizados. Apesar das expedições de Raposo Tavares, outros bandeirantes se destacaram em suas expedições, seja para escravizar indígenas ou procurar metais preciosos.

               Entre eles está o Anhanguera, conhecido por atear fogo em aguardente e ameaçar fazer o mesmo com os rios e lagos da região caso os índios não dissessem onde encontraram seu ouro. Entretanto, seu filho, chamado de “segundo Anhanguera”, foi essencial para a história brasileira já que ele foi o primeiro a descobrir e minerar ouro em Goiás, fundando a cidade homônima em 1656. Domingos Jorge Velho, um dos mais renomados bandeirantes brasileiros, liderou a expedição que destruiria o Quilombo dos Palmares em 1694 e seria reconhecido pelos seus próprios contratantes como um selvagem e “pior do que os mesmos negros dos Palmares”.

Ataque bandeirante a uma aldeia indígena, Jean Baptiste Debret

               A “era de ouro” dos bandeirantes viria a acabar depois de um duro golpe, vindo dos próprios jesuítas, seus piores inimigos. A Igreja Católica autorizou os jesuítas a armarem os índios de seus assentamentos, e logo as batalhas travadas entre bandeirantes e indígenas se tornou mais sangrenta e perigosa para os próprios expedicionários, que além de se preocuparem com doenças, agora também tinham que se preocupar com os índios armados.

               Em 1638, a bandeira de Leite Paes viria a ser derrotada pelos indígenas na batalha de Caazapa-Guaçu. Entretanto, o golpe final para as bandeiras viria com a batalha do Mbororé, entre uma tribo guarani alojada em uma missão jesuíta, comandada pelo cacique Ignacio Abiaru e sob a orientação dos padres Pedro Romero e Pedro de Mola, contra a bandeira de Jerônimo de Barros. A batalha teve duração de 10 horas, e boa parte dos paulistas e aliados tupis morreram, mesmo pedindo trégua três vezes e não conseguindo sair de sua posição. Dos 900 bandeirantes, apenas 20 retornaram para São Paulo.

               Após a feroz resistência indígena em Mbororé, as bandeiras foram se tornando cada vez mais escassas, visto o perigo humano que residia dentro da mata. Eventualmente, o ciclo escravagista do interior brasileiro foi sendo suplantado pela corrida do ouro, até que, com o tempo, ele simplesmente desapareceu, dando fim às infames e brutais bandeiras, após um grande acréscimo de território ao poder brasileiro.

Ilustração do confronto entre um nativo e um bandeirante

               Atravessando o sertão brasileiro em busca de riquezas, seja de sangue, seja de minério, os bandeirantes acabaram sendo instrumentais para a história brasileira e, apesar da abordagem no mínimo brutal para com a população nativa, foi justamente essa atitude impiedosa que marcou a extensão territorial brasileira. Os ataques aos índios se tornaram uma consequência da colonização e eventual expansão selva adentro, permitindo que a coroa portuguesa clamasse mais territórios e, mais tarde, transformasse São Paulo em um dos maiores centros comerciais do Brasil, transformando para sempre não só o aspecto natural brasileiro, mas também o interior das terras que hoje pertencem ao nosso país.

Fontes:
BUENO, E. História do Brasil – Os 500 anos do país Em uma obra completa, ilustrada e atualizada. São Paulo: Folha de São Paulo, 1997. 320 p.
TAUNAY, A. D. História das bandeiras paulistas, vol. 1. São Paulo: Melhoramentos, 1975. 335 p.
SKIDMORE, T. E. Brazil: five centuries of change. Reino Unido: Oxford University Press, 2010. 304 p.
HEMMING, J. Red gold: the conquest of the brazilian indians, 1500–1760. Estados Unidos: Harvard University Press, 1978. 677 p.

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