Resistência Francesa

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               Se destacando como uma das principais forças de resistência na Europa, a resistência francesa foi fundamental em várias operações dos aliados na França, assim como também foi um baluarte moral e político na França ocupada, mantendo o espírito francês vivo mesmo diante do poderoso jugo nazista. Mesmo sendo uma força multi-étnica de combate, a resistência francesa manteve-se unida em um dos momentos mais difíceis da história francesa, e foram vitais para a sua eventual liberação.

               Após a ocupação da França pelas forças da Alemanha Nazista e a implantação do regime de Vichy, o governo alemão tomou todas as providências necessárias para conseguir a submissão do povo francês. Desde então, movimentos de resistência começaram a surgir através da França, alguns movimentos eram de resistência passiva, mas eventualmente os movimentos de resistência ativa começaram a prevalecer, notavelmente em algumas áreas rurais, as quais esses focos de resistência eram chamados de “maquis”.

               Existiam vários movimentos dentro da resistência, os principais eram compostos pelos gaullistas, que seguiam a ideologia e liderança de Charles de Gaulle, comunistas, socialistas, colaboradores da França de Vichy, armênios e judeus. Mulheres também participavam em peso na maioria desses movimentos de resistência, mas Marie-Madeleine Fourcade foi a única mulher a liderar uma célula da resistência. Muitos estrangeiros também participavam dos movimentos de resistência na França, como poloneses, espanhóis, luxemburgueses e até mesmo húngaros, italianos anti-fascistas e alemães anti-nazistas.

Soldado alemão prendendo membros da resistência francesa

               As células da resistência não possuíam um equipamento fixo, na verdade eles contavam mais com o que podiam receber dos britânicos através de aviões e do que era roubado dos nazistas. Portanto, o equipamento “padrão” deles era geralmente as submetralhadoras STEN e rifles Kar98k, a submetralhadora padrão do exército britânico e o rifle padrão do exército nazista, respectivamente. Eles não possuíam um uniforme fixo a fim de não serem identificados pelos nazistas, mas para facilitar a identificação entre si mesmos, eles costumavam usar uma braçadeira com as cores da França e a Croix de Lorraine, o símbolo da França livre.

               O tipo de atitude de resistência que cada célula tomava, na verdade, dependia de sua localização. A resistência nos centros urbanos era mais voltara para a subversão, sendo principalmente de resistência passiva. Nesse caso, os membros da resistência não se envolviam em combates diretos, mas empregavam táticas que desestabilizavam a autoridade da ocupação nazista, principalmente emitindo jornais clandestinos, a maioria deles possuindo cunho nacionalista, enquanto outro, o “Unter Uns”, escrito em alemão, noticiava as derrotas nazistas no front oriental. Os membros da resistência francesa nos centros urbanos também passaram uma grande quantidade de informação para as forças aliadas, algo que se tornaria vital em operações futuras no país, como o Dia-D.

               A guerra de guerrilha carregada pelos resistentes, na verdade, possuía um foco maior nas áreas rurais da França, principalmente nos alpes da Bretanha e do sul do país. As maquis, como eram chamadas, costumavam engajar em uma ação mais direta contra as forças nazistas. Os maquisards, como os membros das maquis eram chamados, possuíam uma regra de grande mobilidade, raramente permanecendo acampado no mesmo lugar por mais de um mês. Essa manobrabilidade era extremamente vantajosa para eles, já que eles a usavam para atacar direta e constantemente as posições alemãs na França. As maquis se organizavam em diversos ataques surpresa, tornando-se praticamente imprevisíveis para os ocupadores. Não só isso, mas as maquis também estavam geralmente envolvidas no resgate de diversos pilotos aliados que caíam na região, principalmente os britânicos.

               A resistência francesa era um grupo extremamente heterogêneo, e não pode ser aglutinada em um único espectro justamente devido a isso. Nos anos iniciais da ocupação da França, os principais membros da resistência eram homens e mulheres da classe média e baixa, principalmente professores, estudantes, operários e camponeses. Segundo um dos líderes da própria resistência francesa, qualquer um poderia se tornar um membro desde que não estivesse bem ajustado à sociedade. Ainda assim, muitos desses resistentes vinham de famílias tradicionais da França, havendo cortado laços com suas famílias para servir a um propósito maios: o da libertação da França.

               Por mais que, eventualmente, a maioria dos espectros da resistência francesa acabassem submissas ao comando de De Gaulle e, nesse ínterim, tornando-se tropas irregulares do Exército Livre Francês, o gaullismo não era o único aspecto ideológico a dominar o interior da resistência francesa. Charles De Gaulle e a sua resistência possuíam um foco maior em simplesmente ir contra o regime de Vichy e recuperar a França para os franceses. Entretanto, outros grupos como os comunistas possuíam ideais diferentes.

               Os comunistas atuavam de uma forma alheia ao Exército Livre Francês, tendo começado suas atividades desde a Operação Barbarossa em 1941, um ano após a ocupação formal da França.  Os comunistas tentavam uma abordagem geralmente mais violenta e radical em todas as ocasiões, e tentaram planejar um golpe com o fim da guerra. A tentativa de revolução foi impedida por Joseph Stalin, que adotara uma política de cooperação com os outros países aliados e, dessa forma, os comunistas acabaram, por sua vez, cooperarando com a implementação do regime gaullista.

Membros da resistência francesa de Huelgoat, Bretanha

               A resistência francesa nunca engajou em grandes batalhas propriamente ditas, mantendo seu foco em pequenas escaramuças com as forças alemãs usando táticas de guerrilha, sabotagens e providenciando inteligência para os aliados. Entretanto, o Exército Livre Francês de De Gaulle teve uma participação fundamental na liberação de Paris em 1944. Após a Operação Overlord, que culminou no desembarque das tropas aliadas na Normandia, o general Dwight Eisenhower estava temeroso em iniciar um conflito aberto em Paris, principalmente devido à sua importância cultural e histórica para o mundo, e o fato de que Adolf Hitler havia ordenado o comando nazista a destruir a cidade no caso de um ataque aliado. A logística e o material necessário para a liberação de Paris, de fato, era necessária em pontos estratégicos julgados mais importantes para vencer a corrida para Berlim.

               De Gaulle, entretanto, pressionou os próprios esforços de guerra de seu exército na liberação imediata de Paris. Em 15 de Agosto, houve uma greve geral na cidade e, no dia seguinte, membros da resistência foram capturados pela Gestapo. Nesse ínterim, o governador de Paris, Dietrich von Choltitz, deu os primeiros passos para o plano de destruição da cidade para “evitar o avanço aliado”. Quando os cidadãos franceses ficaram sabendo da aproximação do Exército Livre Francês para a cidade, entretanto, iniciaram um levante armado em 19 de Agosto.

               Paris virara um verdadeiro cenário de combate enquanto os guerrilheiros franceses deliberadamente lutavam contra as forças de ocupação nazistas na cidade. Entretanto, boa parte da batalha acabou se transformando em um impasse, já que os guerrilheiros não possuíam equipamento pesado o suficiente para atacar as posições defensivas da guarnição alemã, e os alemães não possuíam pessoal o suficiente para lançar uma contra-ofensiva capaz de neutralizar os franceses. Isso, entretanto, viria a mudar quando o general Philipe Leclerc passou a mover uma divisão motorizada para a cidade.

               Em desobediência a uma ordem direta do exército americano, Leclerc enviou uma divisão motorizada para Paris. A divisão era composta principalmente por veteranos da Guerra Civil Espanhola, e serviria para dar o apoio necessário para que Paris fosse liberada. Entretanto, outro homem que havia desobedecido uma ordem direta foi Dietrich von Choltitz, que, indo diretamente contra o próprio Hitler, se recusou a demolir a cidade. Dessa forma, Choltitz se rendeu às forças francesas, apoiadas por um pequeno contingente americano, em 25 de Agosto de 1944. Ao todo, 1600 membros da resistência morreram, enquanto o Exército Livre Francês registrou 130 baixas. Os alemães tiveram 3200 mortos, enquanto outros 12800 foram feitos prisioneiros.

               A liberação de Paris teve um efeito poderoso na moral francesa, principalmente após um fervoroso discurso de De Gaulle na capital francesa no dia seguinte à rendição alemã. Apesar disso, a guerra na França ainda não havia terminado, e vários focos de combate persistiam, principalmente na Alsácia-Lorena. Os franceses viram a libertação de Paris como promovida por eles mesmos, recusando um governo em conjunto aliado e estabelecendo o governo provisório francês sob a liderança de Charles De Gaulle. A vitória em Paris, entretanto, não possuiu nenhuma serventia além dar uma capital para o governo provisório. Após reter Paris, De Gaulle iniciou a sua pressão para ser reconhecido como um grande vencedor da guerra, uma perspectiva que não era compartilhada pelo Reino Unido, Estados Unidos e União Soviética. Isso levou a grandes tensões entre De Gaulle o resto dos aliados no fim da guerra.

Insurgentes franceses lutando nas ruas de Paris em 1944

               Com a vitória dos aliados, a França finalmente foi liberta do jugo nazista, e seus guerrilheiros foram reverenciados como heróis. Charles de Gaulle, um dos idealizadores e líderes de movimentos de resistência na França, acabou se elegendo o primeiro presidente da França após a segunda guerra, consagrando de uma vez por todas, a liberdade francesa diante da pior das adversidades que seu povo enfrentou. Entretanto, o pós-guerra para a França foi um momento de tensão. Vários membros da resistência perseguiram e mataram suspeitos colaboradores com o regime de Vichy, sem dar a eles o direito a um julgamento.

               No episódio que viria a ser chamado de “épuration sauvage”, um período sem uma autoridade institucional sólida, onde 8867 pessoas foram executadas por supostamente serem colaboradoras, e outras 1955 cujo motivo da morte permanece desconhecido. Um hábito comum promovido pelos membros da resistência era o de raspar a cabeça de mulheres que possuíam amantes alemães, ou auxiliavam-os de alguma forma. 30 mil mulheres sofreram com esse tipo de punição. A conduta rígida da resistência foi apoiada por De Gaulle, e só passou a ser questionada após o movimento de Maio de 1968 na França, a qual o mito da absoluta presença da resistência na França e encabeçada por De Gaulle foi derrubado por historiadores modernos.

Mulheres acusadas de colaborar com o regime de Vichy com suas cabeças raspadas

               Apesar de algumas condutas controversas, o sacrifício dos guerrilheiros franceses nunca será esquecido pelo seu povo, e mesmo sofrendo com a dominação de um outro país e um presidente fantoche que colabora com seu opressor, a resistência francesa é lembrada até hoje como um exemplo de bravura e auto sacrifício, talvez sendo os maiores heróis da história francesa.

FONTES:
COBB, M. The Resistance: the french fight against the nazis. Reino Unido: Simon & Schuster UK, 2010. 416 p.
KNIGHT, F. The french Resistance, 1940–44. Reino Unido: Lawrence and Wishart, 1975. 242 p.
ATKIN, N. The french at war 1934–1944. Reino Unido: Routledge, 2001. 176 p.
KEDWARD, H. D. In search of the Maquis: rural resistance in southern France, 1942–1944. Estados Unidos: Oxford University Press, 1995. 368 p.
JACKSON, J. France: the dark years, 1940–1944. Estados Unidos: Oxford University Press, 2003. 688 p.

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